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O Solfejo do Objeto Sonoro – 5
SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).
CD 1 49 Terceiro tema de reflexão: Os limiares temporais do ouvido
Terceiro tema de reflexão: Os limiares temporais do ouvido. Assim, o ouvido conhece razões que a física desconhece. Ocupemo-nos um pouco deste ouvido... Penetremos por um limiar, abaixo do qual os objectos se tornam imperceptíveis. Aqui estamos no quantitativo donde nasce, como veremos, o qualitativo. Primeira ideia: É possível a passagem, de forma contínua, de percepções rítmicas às percepções de altura. Eis, isolado, o mais simples dos impulsos:
CD 1 50 impulso electrónico
Ei-lo repetido em fusas num tempo lento em que a semínima é percutida ao segundo [semínima = 60 M.M.]:
CD 1 51 8 impulsos/s
Eis a tercina de fusas, quer dizer, 12 impulsos por segundo:
CD 1 52 12 impulsos/s
Agora em semifusas:
CD 1 53 16 impulsos/s
Depois as tercinas de semifusas, ainda distintas para o ouvido, mas já de execução impossível para qualquer instrumento:
CD 1 54 24 impulsos/s
Entre os 24 impulsos por segundo e os 29 que se vão seguir, surge-nos um sentido novo, que não se deve ao fenómeno observado, mas sim a uma propriedade específica do nosso ouvido:
CD 1 55 sib-1 (29 Hz)
este sib-1, quase que seria irreconhecível se não fosse confirmado pelo mi0 seguinte:
CD 1 56 mi0 (41 Hz)
Saudemos este obscuro nascimento, esta mutação que parece não preocupar ninguém, das percepções rítmicas à percepção de alturas. Eis o dó#1, 69 Hz:
CD 1 57 dó#1 (69 Hz)
Aqui a altura afirma-se sem que no entanto desapareça completamente a percepção rítmica, deixando traços aos quais chamaremos, justamente, o grão do som.
CD 1 58 sol1 (98 Hz)
Após este sol1, eis um fá2 e um dó3. Os grãos aproximam-se para formar uma matéria que qualificaremos de mais ou menos rugosa:
CD 1 59 fá2 (174 Hz); dó3 (261 Hz)
Esta é a experiência musical mais elementar e também a mais misteriosa. Após a ter realizado com um impulso electrónico, poderemos repeti-la com um impulso retirado de um fagote[/contrafagote] [no registo grave]. Façamos a colheita de um dos grãos do mi grave e “ampliê-mo-lo” 5 vezes. Ei-lo:
CD 1 60 impulso de fagote
Podemos, multiplicando a frequência deste impulso, ilustrar de novo a passagem gradual que vai do impacto à altura, e percorrer a tessitura saudando de passagem o mi original:
CD 1 61 a partir do impulso precedente, mesma progressão dos exemplos 51 a 59
A repetição destes impulsos, isto é, a frequência produz então no ouvido três espécies de efeitos que se sobrepõe: [1] choques [ou impactos] regulares, seguidos de [2] vestígios rítmicos, chamados grão, que se acrescentam a um crescente efeito de altura, e finalmente [3] colorindo a altura, a emergência de uma matéria [ou textura]. Eis muitas qualidades, e bem subtis, para a simples progressão de um parâmetro. Podemos então afirmar que, no homem, o mesmo género de causas não produz os mesmos efeitos. Não nos admiremos de ouvir eventualmente outras alturas para além das mencionadas devido ao espectro subentendido em cada impulso. Segunda ideia: O poder separador do ouvido. Existe por conseguinte um limite para a acumulação temporal de objectos, e a música tradicional consagrou-se-lhes (praticamente) limitando-se a notas não mais breves que a semifusa:
CD 1 62 escala descendente de notas com duração média de 60 ms
Por curiosa coincidência, os limites psicofisiológicos do “fazer”[/executar] e “ouvir” são os mesmos. Não podendo o pianista executar mais rápido, é o acelerando do gravador que irá realizar as trifusas:
CD 1 63 escala descendente de notas com duração média de 30 ms
O ouvido distingue ainda as notas de uma escala à qual está acostumado, mas liga-as entre elas, como o fez para os grãos do fagote. Num contexto musical menos familiar, os sons interpenetram-se logo que as suas durações ultrapassam a semifusa:
CD 1 64 sons desordenados em semifusas
Até à trifusa:
CD 1 65 exemplo 64 duas vezes mais rápido
Nos últimos dois exemplos ultrapassámos a barreira dos 50 ms (1/20 de segundo), que delimita o poder separador do ouvido. A mesma barreira sujeita a palavra a um efeito ainda mais pronunciado: