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O Solfejo do Objeto Sonoro – 3

SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).

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CD 1 27     som “pérfido” (TOMf: 668)

se diminuirmos de metade a velocidade de leitura deste som, todo o sistema de frequências que o define fisicamente, ao ser dividido por dois, deveria oitavar [este som] para o grave:

 


CD 1 28     som “pérfido” lido uma oitava abaixo [velocidade duas vezes menor]

isto não é a oitava esperada, mas apenas meio tom. Assim deveremos rever as noções de base, trocadas com tanta confiança, até agora, entre acústicos e músicos. Em vez de ensinar que a altura é percebida graças a uma fundamental e o timbre graças a um espectro harmónico, será melhor dizer que o nosso ouvido deduz a altura tanto mais facilmente quanto maior for o número de harmónicos contidos no som, ou seja, um som bem timbrado. Ora os acústicos, quando estudam o ouvido, fazem-no sobretudo no caso dos sons puros, que não contêm um espectro mas apenas uma fundamental:

 


CD 1 29     som puro

ou para os “sons brancos” que têm um espectro contínuo onde figuram todas as frequências simultaneamente:

 


CD 1 30     ruído branco

A música electrónica herdou esta tradição e propõe-se muitas vezes combinar sons puros ou de obter bandas coloridas filtrando os “sons brancos”. Se cortarmos num som branco, por meio de filtragem faixas com uma certa largura de banda e repartidas em tessitura [ou seja, com diferentes frequências centrais], elas sucedem-se de forma análoga à das notas de uma melodia:

 


CD 1 31     sucessão “melódica” de bandas de ruído branco

Se pelo contrário, aceleramos ou reduzimos a velocidade de uma gravação de “som branco” não obtemos variação pois as frequências não são diferenciadas:

 


CD 1 32     ruído branco lido em duas velocidades diferentes (19 e 38 cm/s)

As mesmas manipulações aplicadas aos sons estruturados dão resultados inversos. Estes objectos comportam-se como mostrámos acima (exemplos 1.11, 1.12, etc.): eles são quase indestrutíveis. Sejam eles tónicos ou complexos, apresentem um espectro harmónico ou inarmónico, são indiferentes às filtragens graves [HPF], modificam o timbre se atacamos os seus médios, mas nunca evoluem melodicamente, como os “sons brancos” por meio de filtragens passa-banda. Sobre o som seguinte:

 


CD 1 33     som complexo estruturado

cortemos as mesmas bandas que sobre o som branco precedente. Obteremos o seguinte:

 


CD 1 34     mesmo som, tendo sofrido as mesmas passa banda [BPF], decalcadas de 31 filtragens

O timbre altera-se, é certo, mas há qualquer coisa que não muda, que não evolui em tessitura. A regra linguística aplica-se então, o que nos permite definir o termo de um código: aquilo que não muda, essa estrutura harmónica do objecto, é a sua “massa”. A massa de certos sons complexos, por vezes semelhante à dos sons tónicos, comportar-se-á como estes. O som que resista às filtragens será dócil às transposições:

 


CD 1 35     som 33 transposto sobre as “notas” da melodia 31

O que não era o caso, conforme nos recordamos, do som perverso [1.16] muito semelhante ao precendente [1.21] e que no entanto, tal como um som branco, se recusava subjugar às variações de velocidade de leitura. Assim se evidencia uma nova noção tão importante como a noção de altura: a de massa de um som. Seja ele tónico ou complexo, pontual ou difuso, em correlação com um espectro harmónico ou inarmónico, formado por apenas uma ou uma infinidade de frequências, a massa é uma percepção musical que tem em conta a contextura[/estrutura] harmónica de um objecto [sonoro]. Um solfejo realista, aberto a um objecto musical mais geral, deverá então fundamentar-se numa relação autêntica entre observador e observado. As estruturas de referência do ouvido são função da massa do objecto que lhe é dado a ouvir. Tal é o essencial. Não duvidamos que ideias tão fundamentais necessitem de um maior desenvolvimento.

 

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