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O Solfejo do Objeto Sonoro – 22

SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).

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CD 3 80     fragmento de Trois portraits d'un Oiseaux-Qui-N'existe-Pas, François BAYLE

Regressemos agora a uma obra mais familiar, calculada de forma notável, e das mais contemporâneas:

 


CD 3 81     sapos dos trópicos

Estes músicos que apenas poderiam ofender um africano, são os sapos dos seus trópicos. O mais estéril debate é aquele que opõe o abstracto e o concreto, sempre reunidos em todos os objectos. E a única convenção musical que resiste é a do audiovisual, que consagra a música como um espectáculo. Graças à acusmática do altifalante, François BAYLE pode misturar fricções de metal com as cordas do Quarteto Parrenin:

 


CD 3 82     fragmento de Archipel, François BAYLE

Resta-nos a verdadeira questão: como é que devem ser usados estes materiais vários? Alguns prestam-se, como indica o nosso solfejo, a generalizar a nota, o motivo, na esperança de reencontrar uma espécie de discurso. Eis um exemplo, e não é sem razão que Edgardo CANTON chama de Voix Inouïes [Vozes Inauditas] uma obra que ele espera que fale:

 


CD 3 83     extracto de Voix Inouïes, Edgardo CANTON

Mas outros materiais conduzem a uma plástica musical, a construções que se assemelham às de uma arquitectura, a formas esculturais. Objectos imensos, maravilhosamente calculados, impõem-se à nossa contemplação:

 


CD 3 84     extracto de Metastasis, Iannis XENAKIS

Identificamos XENAKIS. É mesmo uma música de arquitecto, diremos nós. Mas também lhe acontece usar, em Eonta, notas com os perfis retrogradados, que têm sem dúvida a sua inspiração em qualquer lembrança experimental [isto é, em técnicas de banda magnética]:

 


CD 3 85     extracto de Eonta, Iannis XENAKIS

Dado que afirmámos que só as ideias importam — assumindo que a técnica se encontra dominada —, experimentamos agora interrogar um compositor acerca das ideias que o inspiram? Examinemos uma obra de Luc FERRARI, da qual a primeira versão foi realizada em Gravesano, por iniciativa do saudoso Hermann SCHERCHEN, a quem teria sido um prazer dedicar o presente trabalho. O que nos interessa, neste Tautologos, é de ter, enfim, da parte do autor, uma espécie de explicação. Eis a sua proposição inicial:

 


CD 3 86     fragmento de Tautologos II, Luc FERRARI: exposição

Diz-nos o autor que a forma de conjunto será baseada no que acabámos de ouvir. E a explicação do título é que os mesmos objectos, combinados de diferentes maneiras, irão dizer coisas diferentes e passar do descontínuo ao contínuo. Triunfo do descontínuo para começar:

 


CD 3 87     idem: descontínuo

Tais aglomerados de notas variadas, cujas assonâncias formam rimas, irão logo ser perturbados pela irrupção de objectos firmemente delineados, insubordinados, desordenados [menos comunicativos]:

 


CD 3 88     idem: desordem

e, no meio da obra, como previsto, pelas acumulações de formas cada vez mais densas, o todo mistura-se e transforma-se em massa:

 


CD 3 89     idem: aparição de massas

Em todo o final da obra são dispostas pesadas tramas que sublinham o brilho dos sons breves, e consagram assim a reconciliação dos extremos.

 


CD 3 90     idem: trama final

Esforçámo-nos por seguir os propósitos do autor. Deveremos confessar que nos sentimos mais convencidos pela eloquência da obra que pelo nosso comentário? Disporá alguém dessa famosa meta-linguagem capaz de descrever inteiramente a música? Ousemos então afirmar que a descrição dos objectos musicais não explica a música. Tal como a acústica não predetermina o valor desses mesmos objectos. Distinguimos assim três estágios, articulados por correlações. Se o nosso solfejo generalizado é indispensável para descrever e nomear os objectos constituintes, falha no que respeita a fornecer uma chave imediata das suas combinações possíveis. Mas o nível da linguagem, felizmente, é de todos o mais instintivo. Os fragmentos que acabámos de escutar mostram-nos bem e provam também que, na maior parte das vezes, é na resolução prática que se manifesta a função dos objectos. É precisamente nisso que a música não tem outro estatuto que o de uma linguagem ou de uma ciência. Ela molda-se [a partir] do interior, nutre-se da sua própria substância, vai e vem do conjunto ao elemento, da estrutura ao objecto. Renunciemos às sintaxes prematuras quando uma linguagem se procura através das suas mutações. Adivinhemo-lo [ou melhor, deveremos tentar senti-lo] à força de fazer e de escutar [/entendre]. Por vezes brotará a comunicação. Quando isso acontece, muito menos teremos a dizer pois os nossos poderes cresceram, os sons fizeram-se música tal como uma arquitectura à qual, subitamente, fosse concedida a fala.

 


CD 3 91     fragmento orquestral de Planètes, Ivo MALEC



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