+

O Solfejo do Objeto Sonoro – 17

SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).

Páginas:     1    2    3    4    5    6    7    8    9    10    11    12    13    14    15    16    17    18    19    20    21    22

 

<< PÁGINA ANTERIOR         CD 3, EXEMPLOS 14 a 30         PRÓXIMA PÁGINA >>


CD 3 14     uma palavra

para o pássaro exótico, proporíamos o trinado:

 


CD 3 15     trinado

para a música, a nota, a não ser que tenhamos preferência pelo acorde ou pelo motivo:

 


CD 3 16     nota, acorde, motivo

e para o ruído, o conjunto dos índices que se reportam a uma causa que revelam:

 


CD 3 17     ruído de acelerador

Notamos então, que as unidades assim seccionadas, graças ao contexto, respondem a uma espécie de petição de princípio, na qual cada cadeia não nos fornece senão os seus elementos específicos: elementos do sentido, linguístico ou musical, ou indução causal. Para penetrar no universo sonoro bruto, é necessário ser mais brutal e, se se pretende ser universal, é necessário ser menos exigente: quer isto dizer, [1] renunciar ao sentido, [2] não se socorrer do contexto e [3] encontrar os critérios de identificação do sonoro que vão contra os hábitos da análise espontânea. Eis quatro objectos, isolados das cadeias precedentes, justificáveis apenas por uma regra única, dita “articulação-apoio” que tende a cortar a cadeia em cada instante em que se produz uma descontinuidade energética:

 


CD 3 18     quatro amostras: sílaba, grito de pássaro, nota, aceleração

Estamos assim na posse, pelo menos teoricamente, de uma regra comum aplicável a toda esta disparidade: a [regra] de unidade da emissão sonora. Sílaba ou trinado, impulso instrumental ou fragmento de ruído, assim é este objecto sonoro concreto, de agora em diante isolado da sua conotação convencional ou habitual, que se nos apresenta, para a investigação mais geral do universo dos sons.
Terceira ideia: Critérios musicais do sonoro
Mas aqui, atenção. Mal acabámos de decidir submeter a generalidade dos objectos sonoros a uma regra de identificação das mais brutais, também deveremos logo orientar a nossa escolha de critérios do sonoro por meio de alguma intenção [ou hipótese] musical. Com efeito, seria insensato querer classificar o universo dos objectos sonoros sem ter decidido com que finalidade. A pesquisa de tais critérios consiste em orientar musicalmente o par articulação-apoio, em qualificá-lo, em reter o aspecto mais musical. A “articulação”, ao ser orientada para a linguagem, esforça-se por caracterizar as consonantes. Negligenciaremos as consonantes para conferir importância àquilo que chamaremos a manutenção, a saber: se a energia fornecida no momento da articulação é [1] comunicada instantaneamente, ou [2] de forma mais prolongada. Quanto ao “apoio”, a linguagem preocupa-se pouco em qualificar a entoação; ele liga-se à cor das vogais. Mas nós negligenciaremos este aspecto do apoio, para estudar apenas a sua estabilidade em tessitura. Graças à escolha deste novo par de classificação, “manutenção-entoação”, poderemos comparar objectos sonoros retirados das cadeias precedentes, em virtude daquilo a que poderemos chamar de os “critérios musicais do sonoro”. Assim, combinando manutenção prolongada e entoação fixa, poderemos comparar:

 


CD 3 19     quatro exemplos de objectos sonoros, manutenção prolongada — entoação fixa

depois, sempre com manutenção prolongada, entoações variáveis:

 


CD 3 20     quatro outros exemplos: manutenção prolongada — entoação variável

depois sem sustento, impulsos fixos em entoação:

 


CD 3 21     quatro outros exemplos: impulsos fixos em entoação

e, finalmente, impulsos variáveis em entoação:

 


CD 3 22     quatro outros exemplos: impulsos variáveis em entoação

Munidos desta bússola, sabemos agora navegar no oceano dos objectos sonoros, e poderemos refinar esta classificação. Concentremo-nos num domínio de objectos ainda muito geral, mas contudo mais próximo da nossa finalidade: o domínio dos objectos convenientes, os quais o instinto nos diz serem propícios ao musical.
Quarta ideia: Critérios de execução e de massa
Assim somos levados à noção de “execução gestual” que corresponde à realização gestual da manutenção. Este gesto pode ser dos mais breves: percussão ou pizzicatto, pouco importa que se trate de cordas, peles ou madeiras, de sons tónicos ou complexos. Todos estes objectos sonoros têm, evidentemente, como denominador comum, uma execução do tipo impulso.

 


CD 3 23     5 sons breves

Pelo contrário, os sons sustentados evocam logo um tipo de execução onde se revela quer o agente [pelo seu gesto instrumental] quer o mecanismo que alimenta a sonoridade.

 


CD 3 24     3 sons sustentados

Mas a alternativa permite um compromisso: uma sequência rápida de impulsos constitui, apesar de tudo, uma manutenção. Sabemos mesmo, pela visão de um arco ao retardador, que se trata de uma sequência de micro-impulsos que assegura a execução mais sustentada, a fricção mais límpida. Entre “impulso” e “som sustentado” coloca-se então uma terceira espécie de execução, dita “iterativa”. O exemplo mais banal é o rufar de percussão:

 


CD 3 25     rufo de bongó

Mas já tínhamos notado que um contrafagote no registo grave também comporta uma execução iterativa:

 


CD 3 26     nota de contrafagote

e que existem híbridos, nos quais se encadeiam sem descontinuidade manutenções de fricção e de iteração:

 


CD 3 27     som de chapa metálica apresentando uma manutenção híbrida (fricção contínua e iterativa)

Tendo assim descrito os três tipos de execução que qualificam a manutenção, definiremos agora os três tipos de massa que qualificam a entoação. Cada vez que a entoação seja não apenas fixa, mas evoque uma percepção dominante de altura, diremos que se trata de uma massa onde predomina o carácter “tónico”, e é assim que classificaremos os sons seguintes, embora este carácter dominante se encontre empobrecido no terceiro exemplo:

 


CD 3 28     3 sons de massa tónica

Mesmo que a qualidade de altura não seja predominante, uma massa pode no entanto ocupar um espaço fixo em tessitura, mais ou menos extenso, que poderíamos qualificar de “irracional”, pois não é redutível a uma altura exacta. Diremos então que se trata de uma “massa complexa”. Com este termo, qualificaremos também os agregados de tónicas emaranhadas umas nas outras, inextricáveis, contrariamente aquelas que se resolvem num acorde:

 


CD 3 29     3 sons de massa complexa

E, finalmente, se esta massa evolui em tessitura, diremos que estamos em presença de um caso de “massa variada”:

 


CD 3 30     3 sons de massa variada

Quinta ideia: Tipologia dos objectos equilibrados
Acabámos de aplicar os critérios tipológicos no sentido da versão, ao classificar objectos de diversas proveniências, sem nenhum recurso a referências instrumentais. Poderemos proceder ao exercício inverso e formar voluntariamente objectos que respondem, no sentido do tema, aos nossos esquemas tipológicos? Mostraríamos assim que não nos encontramos prisioneiros da construção de instrumentos convencionais. Utilizemos então sucessivamente [1] quer a orquestra, [2] quer um instrumento preparado [o piano], [3] corpos sonoros concretos, [4] quer sons electrónicos, e preenchamos quatro vezes de seguida as nove casas de uma tabela de dupla entrada [3 X 3] que resulta do cruzamento dos três critérios de execução e dos três critérios de massa. Uma primeira tabela incentiva esta generalização e, com um objectivo pedagógico, fornece exemplos muito simples, que podem ainda ser notados em valores tradicionais. A primeira linha desta tabela, simbolizada pelas letras N’, N e N", corresponde [1] aos impulsos tónicos, [2] tónicas formadas e [3] às notas iterativas:

 

<< PÁGINA ANTERIOR                           PRÓXIMA PÁGINA >>