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O Solfejo do Objeto Sonoro – 16

SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).

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CD 3 01     Oitava ideia: Morfologia externa, conjunto de objectos

É fácil agora concordarmos numa terminologia. Chamaremos “objecto composto” às espécies de acordes formados por objectos que mais ou menos se fundiram no mesmo instante no mesmo perfil. Eis um objecto composto, que ouviremos primeiramente, e os seus dois componentes:

 


CD 3 02     objecto composto e os seus dois componentes

Quando dois objectos se combinam em sucessão, isto é, mais à maneira de uma melodia que de um acorde, diremos que se trata de um “objecto compósito”. Eis um objecto compósito seguido dos seus dois constituintes:

 


CD 3 03     objecto compósito e os seus dois componentes

Estas são as receitas de fabrico no sentido do tema [ou seja, a tradução para som]. No sentido da versão [tradução de som], um objecto complexo e coerente não se deixa analisar. Somente os objectos menos coerentes se deixarão solfejar sobretudo se tivermos a sorte de ouvir primeiramente os objectos constituintes:

 


CD 3 04     objecto menos coerente: [a] componentes, [b] original

Uma última experiência coloca em evidência o fundamento psicológico que define o objecto. Que um objecto seja perturbado como este:

 


CD 3 05     pizz com acidente

ou como este:

 


CD 3 06     som de chapa metálica com acidente

o ouvido distinguirá, imediatamente, que um acontecimento suplementar [ou parasita] se veio enxertar no acontecimento principal. Convirá dizer que um tal objecto [com este tipo de interferência] comporta um “acidente”. Tais objectos, mesmo acidentados, serão aceites pelo ouvido tal como são. Noutros casos eliminam-se pelo pensamento alguns detalhes sonoros indesejáveis. É o caso do “incidente” técnico ao qual se recusa uma intenção musical:

 


CD 3 07     som afectado de um incidente técnico

Tais são, brevemente expostos, todas as noções entre as quais importa evitar todo o tipo de confusões: [1] corpos sonoros e manipulações físicas por um lado, [2] objecto sonoro e objecto musical por outro. Vê-se que uma morfologia do sonoro, uma aculogia poderíamos dizer, precede o musical: já não é mais a acústica, não é ainda a música.

 


CD 3 08     Oitavo tema de reflexão

Oitavo tema de reflexão: Tipologia dos objectos musicais
Primeira ideia: O tema e a versão
No sentido do tema, estamos muito à vontade. Munidos de uma partitura e possuindo uma orquestra experimentada, podemos propor todas as espécies de combinações instrumentais, graças a uma notação que se tornou cada vez mais operacional. Podemos assim confeccionar objectos mais ou menos complexos:

 


CD 3 09     sequência complexa de orquestra, extracto de Sigma, de Ivo MALEC

e conferir-lhes perfis cada vez mais fortes:

 


CD 3 10     trama instrumental fortemente delineada (Luc FERRARI)

No sentido da versão, o decifrar de tais agregados de sons, constantemente empregues em música contemporânea, coloca um problema árduo, embaraçando não somente o amador, mas também, não duvidamos, o profissional mais treinado. Tudo aquilo em que o músico ocidental faz ponto de honra de saber escrever, saberá ele ouvi-lo? Inversamente, ele ouve muito bem o que se segue, mas no entanto não o saberá escrever:

 


CD 3 11     rufar de tam-tam prolongado

Dado que acolhemos nas orquestras de cá, estes tam-tans vindos de algures, não adoptemos perante eles uma atitude subdesenvolvida. Não nos contentemos em qualificá-los grosseiramente de tam-tans graves. Esta designação negligente disfarça o nosso embaraço: não sabemos descrever aquilo que não sabemos grafar, e é claro que as culpas se encontram inteiramente na nossa notação, que é apanhada desprevenida. Reconheçamos os seus limites: tal como não sabe descrever um tam-tam, ela também não consegue justificar um agregado de notas no [registo] grave do piano, como um acorde de sons tónicos. Um tal agregado de sons é muito semelhante a uma percussão de chapa metálica:

 


CD 3 12     sons de chapa metálica e de piano

Não podemos então reduzir o universo sonoro a um sistema de signos tão particulares. É necessário, corajosamente, e pelo contrário, repartir deste universo para elaborar um novo sistema de valores, mais geral e que conterá, como caso particular e especial, não tenhamos dúvidas, os valores tradicionais.
Segunda ideia: Regras de identificação dos objectos sonoros A sumarização do sonoro é uma tarefa medonha. Adoptemos um esquema seguro. Podemos interrogar o som [1] primeiramente como índice [ou seja, uma pista], [2] pelas significações que ele veicula, ou enfim [3] escutar o som por si mesmo, numa atitude muito particular à qual chamámos de escuta reduzida. Esta escuta diz respeito apenas aos efeitos do som: forma e matéria do objecto percebido. Ao nível do sonoro, no entanto, não prejulguemos tão rapidamente estas três intenções de escuta tão díspares, que levam a nossa atenção seja [1] para as fontes do ruído, seja [2] para as significações do discurso, seja [3] para o valor intrínseco dos sons. Queremos descobrir uma regra que se aplique provisoriamente a toda a cadeia sonora, e permita daí extrair o elemento bruto, isolado das suas estruturas, a que chamaremos precisamente o objecto sonoro. Ora um objecto é sempre determinado [/inseparável] pelas [/das] estruturas às quais pertence. Um elo encontra-se sempre intimamente associado à cadeia que forma. Verifiquemos o facto, através dos exemplos que se seguem e que recapitulam, esquematicamente, os três universos da linguagem [1] humana e [2] animal, [3] da música e [4] do ruído:

 


CD 3 13     quatro exemplos de cadeias sonoras (linguagem falada, canto de pássaro, música, ruído)

Verificamos claramente, acerca destes exemplos, como são diferentes as nossas intenções de escuta: [1] para a linguagem, trata-se de compreender o que é dito — o que nos é [2] infelizmente recusado para a linguagem pássaro; [3] para a música, sabemos bem que se escuta por si própria e não por causa de uma mensagem explícita da qual ela não seria senão, e apenas, o veículo; enfim [4] o ruído, tal como uma linguagem, comporta um código que remete, através dos índices que fornece, a uma causa cuja história ele nos conta. Normalmente e sem precauções, nós isolamos os objectos destas cadeias de uma forma espontânea. Para a linguagem, a unidade será a palavra, elemento [ou partícula] do sentido:

 

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