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O Solfejo do Objeto Sonoro – 14
SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).
Este fragmento de banda magnética não é somente uma memória; ele torna-se fonte e instrumento pois, a mínima variação nas velocidades de leitura, de nível dinâmico, criam, graças a ele, outros objectos, tão divergentes do objecto sonoro inicial como o poderiam ser os objectos produzidos por um mesmo corpo sonoro. Eis a variante acelerada e desacelerada:
CD 2 79 objecto do exemplo 78 acelerado e “desacelerado”
Agora uma filtragem progressiva que varre a massa do som do agudo ao grave:
CD 2 80 objecto do exemplo 78 varrido por meio de filtragem
Qual é este parentesco que permanece comum entre estes objectos apesar das suas diferenças? É um parentesco de forma e de matéria. Forma e matéria tais são os critérios essenciais de uma morfologia do sonoro. No entanto, a partir da mesma banda, sabemos como extrair seres [ou objectos] cuja morfologia será diferente. Uma variação de massa fornecerá um objecto evolutivo em tessitura. A matéria do som terá perdido o seu carácter de fixidez:
CD 2 81 objecto do exemplo 78 variado em tessitura
Mas tais manipulações mantêm ainda um ou vários traços comuns com o som inicial. Manipulações mais radicais pervertem-no:
CD 2 82 objecto do exemplo 78 homogeneizado e expandido na sua massa
Finalmente pode-se retirar desta banda, após corte, transposição e montagem toda uma sequência extraída fisicamente do mesmo objecto, mas que não terá nenhuma relação com ele, nem sonora, nem musical:
CD 2 83 objecto do exemplo 78 manipulado por montagem
Quinta ideia: Não confundir objecto sonoro e objecto musical. Um objecto sonoro é delimitado pela sua coerência causal; ela coincide com a curta história de um acontecimento acústico. Mas no entanto, isso não assegura a unidade do objecto musical. É assim que uma chapa metálica percutida sobre o seu bordo produz o objecto seguinte, cuja unidade é inegável:
CD 2 84 som de chapa metálica com parcial agudo
Será imediatamente notado que este objecto sonoro contém pelo menos dois objectos musicais que fazem apelo ao nosso julgamento musical espontâneo. Esta separação mental em dois objectos não se baseia na natureza das coisas, e teremos mesmo uma certa dificuldade em realizá-la por filtragem. Uma filtragem aguda [HPF] reterá os principais critérios de ataque:
CD 2 85 exemplo 84 após filtragem passa altos
Uma filtragem grave [LPF] não conservará senão a ressonância grave:
CD 2 86 exemplo 84 após filtragem passa baixos [LPF]
É o momento de relembrar que as manipulações físicas não garantem os efeitos musicais. Para um tal som, a transposição é bem sucedida, mas ficamos sempre surpreendidos pelas relações que ela introduz nos componentes do objecto:
CD 2 87 exemplo 84 transposto uma oitava e meia para o agudo [velocidade de leitura 3 vezes superior]
Desconfiemos também dos cortes temporais. Um íman quebrado em pedaços dá como resultado vários ímanes. Assim um objecto sonoro fraccionado em três, resulta em três objectos sonoros que possuem, cada um deles, um início, um corpo e uma queda:
CD 2 88 objecto complexo seguido de 3 objectos obtidos a partir dele por fragmentação
Sexta ideia: Objectividade do objecto É um facto reconhecido que cada escuta é diferente para diferentes pessoas, e mesmo para as diferentes escutas de cada um. Necessitamos então de afirmar a objectividade do objecto, quer dizer, que qualquer coisa no objecto resiste a essas abordagens, resta imutável, permite a diversos ouvintes, como a diversas escutas [por parte do mesmo ouvinte], de confrontar tantos aspectos quantas maneiras de focar o ouvido nas múltiplas atenções ou intenções de escuta. Façamos a experiência, repetindo duas vezes o mesmo objecto, objecto esse aparentemente simples, na realidade muito mais rico à segunda audição: