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O Solfejo do Objeto Sonoro – 2

SCHAEFFER, Pierre & Guy Reibel. Solfège de l’Objet Sonore. Paris: Editions du Seuil, 1966. (tradução portuguesa de António de Sousa Dias, 2007).

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CD 1 12     

Primeiro Tema de Reflexão: Correlações entre espectros e alturas.

 


CD 1 13     oitavas ascendentes no piano

Num fenómeno tão simples, a evidência engana-nos. Natureza e cultura parecem ter-se juntado aqui num encontro excepcional. Primeiramente o diálogo dos números: um oscilador electrónico fornece, por exemplo, 65 vibrações por segundo [65 Hz]:

 


CD 1 14     som sinusoidal de 65 Hz [mais ou menos dó1]

Multipliquemos esta frequência por 2, 4, 8, etc., obteremos o seguinte, que parece coincidir com a série precedente [de sons no piano, ver 1.1]:

 


CD 1 15     oitavas ascendentes de sons puros

Aqui está aquilo que liga um parâmetro, a frequência fundamental, e uma qualidade, a altura. Talvez. Mas falta definir musicalmente a noção de altura. Não é ela distinta da noção de oitava, que se relaciona com uma qualidade específica do nosso campo perceptivo, cujo padrão repetitivo é baseado na série das potências de dois?

 


CD 1 16     oitavas ascendentes de fagote, clarinete e flauta

Ora, nem é natural que o deus Pan dispusesse de um frequencímetro, nem a música esperou pelas cogitações de Pitágoras. Qual foi então a experiência original de todas as civilizações musicais?

 


CD 1 17     piano, som puro e fagote sobre o mesmo grau

JAKOBSON define uma das leis fundamentais da linguagem como uma "relação de alternância", quer dizer, "a possibilidade de substituir um termo por outro, equivalente sob um aspecto mas diferente sob outro."

 


CD 1 18     exemplo 17 repetido em várias oitavas sucessivas ascendentes

Apesar dos aspectos díspares agrupados sob o termo timbre, o aspecto equivalente, prestes a formar um código é precisamente aquilo a que chamamos “altura”. A altura deverá ser considerada em termos da sua definição linguística, quer dizer, de ordem psicossociológica, antes de poder ser examinada nas suas correspondências acústicas, isto é, de ordem física e fisiológica. Assim sendo, não nos surpreenderemos se as coincidências tão notáveis, constatadas nos médios e agudos se possam tornar mais incertas no [registo] grave:

 


CD 1 19     3 oitavas descendentes de piano, som puro e fagote

A comparação dos três timbres sobre o mesmo grau, mostra que a referência aos sons puros se torna difícil por duas ou três razões muito diferentes: primeiramente porque os sons puros sobre estes graus são praticamente inaudíveis; em segundo lugar porque eles parecem mais graves uma oitava que os seus uníssonos bem timbrados e, finalmente, por vezes eles parecem desafinados:

 


CD 1 20     como 18 em oitavas descendentes

Começamos agora a duvidar do som puro, considerado até aqui como medida-padrão de altura. Podemos também colocar uma questão de senso comum, mas no entanto bem estranha: porque é que ouvimos tão mal um som puro no [registo] grave e tão bem um som timbrado que possui teoricamente a mesma fundamental? Não é então essa fundamental que se ouve? Ouve-se um som grave graças aos seus harmónicos superiores? Eis uma surpreendente confissão que não é feita nem nos conservatórios, nem nas faculdades! Merece ser formulado de forma mais explosiva, desde que se possam reunir as provas. Eis as provas:

 


CD 1 21     nota grave ao piano

Retiremos por filtragem, os agudos desta nota, preservando no entanto escrupulosamente os três primeiros harmónicos: a sua estrutura é mais afectada que a sua intensidade:

 


CD 1 22     exemplo 21 submetido a um filtragem [passa baixos] cortando os agudos a partir de 300 Hz [LPF fc=300 Hz]

Prova inversa: cortamos a fundamental por meio de uma filtragem rigorosa (50 dB/oitava), por conseguinte sobre toda a oitava inferior. Eis aqui esta nota despojada da sua fundamental:

 


CD 1 23     exemplo 21 submetido a uma filtragem cortando a frequência fundamental [filtro passa altos ou HPF]

ela é rigorosamente semelhante ao original. A nossa asserção prova-se como sendo correcta. O grau, noção musical de altura, corresponde, no [registo] grave dos nossos instrumentos, à frequência nominal de uma fundamental que, fisicamente, não existe a maior parte do tempo. Esta constatação é tão surpreendente que seria espantoso sermos os primeiros a notá-la. De facto, não somos os primeiros, felizmente, mas reclamamos o mérito de deduzir as consequências de um fenómeno até aqui, aparentemente ignorado. Iremos ver que ele se aplica diferentemente aos três registos de alturas. Realizemos, com efeito, a mesma filtragem da fundamental nos [registos] médio e agudo do piano:

 


CD 1 24     nota de piano [no registo] médio, seguida da mesma nota filtrada como em 23

A nota média, filtrada, é ouvida no mesmo grau mas o timbre é seriamente afectado:

 


CD 1 25     idem para uma nota aguda

no [registo] agudo o timbre é mais que afectado, a tónica passa para um estágio superior: a nota é oitavada. A experiência repete-se idêntica com outros instrumentos: fagote, clarinete e oboé. Eis aqui os sons originais seguidos da sua variante, amputada da fundamental:

 


CD 1 26     idem para as notas de fagote, clarinete, oboé

Ora esta experiência é repetida milhões de vezes quotidianamente: cada vez que uma sinfonia é transmitida através de um rádio de pilhas [cujo altifalante é incapaz de reproduzir as baixas frequências], ela deveria oitavar, se o ouvinte não ouvisse musicalmente os sons graves, fisicamente ausentes. A antiga concepção que faz da frequência um parâmetro identificável à altura, deve então ser abandonada. Para aqueles que ainda duvidam, eis um último argumento:

 

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